23 novembro 2010

Libertação da Guiné, Revolução em Portugal (IV - IV)












IV. CONCLUSÃO: UMA DESCOLONIZAÇÃO EXEMPLAR

Em 10 de Setembro, quando do reconhecimento oficial da independência da Guiné-Bissau por parte de Portugal, Spínola aproveitou para lançar um aviso:
A maioria silenciosa do povo português terá pois de despertar e de se defender activamente dos totalitarismos extremistas que se digladiam na sombra [..] A consentir-se um clima anárquico de reivindicação incontrolada [.. ] O País mergulhará no caos económico e social, que só a sectores minoritários poderá aproveitar [...] É chegado o momento de o País acordar...] (90)
A situação era desesperante: Spínola via traição e subterfúgios por todo o lado, o MFA "enfeudado" ao Partido Comunista, a desintegração das forças armadas no ultramar, que se passavam para o lado dos seus opositores guerrilheiros, a anarquia e o caos na vida civil e na economia. Tornava-se necessária uma acção drástica se não se quisesse entregar Angola - o "Brasil africano" e elemento-chave no projecto de Spínola para uma comunidade lusíada -, do mesmo modo que se entregara a Guiné e Moçambique, e se não se quisesse que Portugal ficasse sob o domínio de "forças totalitárias". Spínola apelou directamente para o povo português. Escudando-se com os slogans "disciplina", "ordem" e "Pátria", aliou-se a toda a espécie de gruposculos neofascistas e colonos reaccionários, na tentativa de inverter o curso revolucionário em África e na metrópole e de destruir o MFA. A conspiração reaccionária, apressadamente organizada, destinava-se, aparentemente, a tomar o poder de um modo mais ou menos simultâneo em Lisboa, Luanda e Lourenço Marques. De qualquer forma, a prematura revolta dos colonos em Moçambique (7-10 de Setembro) deitou por terra esta jogada: em Lourenço-Marques, a revolta racista foi dominada pela acção conjunta das forças portuguesas e da Frelimo; em Luanda, a Junta Governativa de Rosa Coutinho controlou a situação através de severas medidas; e, em Lisboa, a manifestação da "maioria silenciosa", organizada por Spínola, foi impedida pela força conjunta do COPCON e da mobilização popular, tendo o MFA impedido a sua tentativa para a declaração do estado de sítio temporário, com suspensão das liberdades democráticas. Em 30 de Setembro, Spínola demitiu-se da presidência. A solução neocolonial fora derrotada- O MFA movimentou-se rapidamente no sentido da sua própria institucionalização como "garante" da continuação da revolução democrática e de uma descolonização bem sucedida...

Na Guiné, as etapas finais da descolonização processaram-se rápida e eficientemente. Os acordos de Argel apontavam para o dia 31 de Outubro de 1974 como data limite para a retirada das tropas portuguesas e, de facto, todo o processo de evacuação das cerca de 130 unidades militares e postos avançados, bem como a enorme força estacionada em Bissau, se cumpriu dentro do prazo previsto e sem que se tenha perdido uma única vida que fosse pela acção armada - não se tendo registado qualquer espécie de choque nem com guerrilheiros nem com a população (9I). Fabião deixou Bissau no último avião

(90) Rodrigues et al., 1976, op. cit., p. 84.
(91) Basi! Davidson." The Peoples Cause: a history of guerriltas in África, Londres, 1981, p. 172.

militar; regressado a Lisboa, foi nomeado chefe do Estado-Maior do Exército, tendo iniciado esforços nesta sua nova situação, em colaboração com os seus camaradas vindos da Guiné, no sentido de transplantar para as forças armadas em Portugal as estruturas democráticas desenvolvidas naquele território (92). Durante o mês de Novembro, o MFA preparou-se para o seu novo papel de vanguarda dinamizadora e a 6 de Dezembro realizou-se na capital a primeira assembleia geral nacional do MFA.
A história da luta pela independência na Guiné é fascinante; o impacte deste pequeno pais nos assuntos mundiais talvez não encontre paralelo nos tempos modernos.
A primeira parte do continente africano descoberta pelos exploradores portugueses em meados do século XV tornou-se, volvidos cinco séculos, no cemitério do colonialismo português e no primeiro dos territórios portugueses de África a obter a independência. A descolonização na Guiné, se bem que tardia, processou-se de um modo exemplar, lançando as bases para o desenvolvimento de relações cordiais entre Portugal e a sua ex-colónia no período pós-independência. Em Fevereiro de 1979, o presidente Ramalho Eanes, que servira como capitão no exército colonial em Canchungo, deslocou-se à Guiné para conversações que visavam o aprofundamento da cooperação técnica e cultural entre os dois Estados. Foi, como notou Eanes, a primeira visita que "um chefe de Estado eleito livremente pelos portugueses realiza oficialmente ao primeiro Estado reconhecido como independente e soberano pela antiga potência colonizadora" (93). Durante a sua visita, Eanes deslocou-se a Bafatá, onde colocou uma coroa de flores no monumento erguido a Amílcar Cabral, fundador e inspirador da nacionalidade guineense.
Foi um acto comovente e altamente simbólico: uma homenagem ao inestimável contributo de um grande homem que, com a sua acção, ajudou o povo português a libertar-se da sua longa e escura noite de ditadura e isolamento.

(92) Embora com menor sucesso, mas minando as bases elististas do MFA até aí existentes na metrópole.
(93) O Jornal de 23 de Fevereiro de 1979. 7755


John Woollacott* Análise Social, vol. xix (77-78-79), 1983-3.º, 4.º 5.º, 1131-
 A luta pela libertação nacional na Guiné-Bissau e a revolução em Portugal

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