24 outubro 2010

Anti-colonialismo Estudantil e Militar

   O sector dos Estudantes universitários tomou frequentemente posição neste domínio. Logo no inicio da guerra de Angola, os “grupos universitários de acção patriótica” publicaram um documento “sobre o problema angolano”, que referia a incapacidade do Governo português para enveredar por uma solução pacifica, defendia o “reconhecimento do principio da negociação” e apelava no sentido de que “todos aqueles que estejam integrados nas forças armadas ou que venham a ser mobilizados se recusem a cumprir as determinações que, em sua consciência, violam os direitos humanos fundamentais”.
Além deste, e entre muitos outros, podem citar-se, como exemplo, dois comunicados:
- Um deles é um texto para discussão no projectado Encontro Nacional da Juventude em 1969; o seu 1º ponto era exactamente os “jovens e a guerra colonial”, e concluía com as seguintes exigências:
“Fim imediato da guerra colonial e regresso das tropas metropolitanas;
 Solução pacífica do conflito com a independência dos povos africanos, através de conversações com os Movimentos de Libertação;
Relações de paz e amizade com esses povos após a sua independência, numa base de igualdade de direitos”.
   - Um outro, vem datado de Fevereiro de 1970 e assinado pela União de Estudantes Comunistas (marxistas leninistas), e refere a convocação de uma manifestação de solidariedade com a luta dos povos oprimidos das colónias, convocação feita pelos Comités de Luta Anti-Colonial e manifestação a realizar a 21 de Fevereiro.
   O facto do meio universitário, globalmente considerado, desaprovar a política ultramarina do Governo, foi mesmo oficialmente admitido e reconhecido, conforme se pode ver por esta passagem do discurso de fim-de-ano às forças armadas, pronunciado pelo Ministro da Defesa em 30-12-1970:  A subversão procura atingir as Forças Armadas, através das fontes de recrutamento dos quadros que são os estabelecimentos de ensino. Ora em vários destes estabelecimentos não se consegue ensinar capazmente. São hoje verdadeiros centros de subversão e, mais ainda, centros escolhidos por determinados indivíduos para proclamar ideias contrárias à defesa do nosso Ultramar e à disciplina e coesão das Forças Armadas. (...).  Tão nefasta é esta acção que ainda há alguns meses desertaram para a Suécia seis tenentes milicianos, antigos alunos de Engenharia da Academia Militar, que nos termos da legislação até há pouco vigente, tiveram de frequentar os três últimos anos numa escola de engenharia civil de Lisboa e que neste estabelecimento receberam a inspiração suficiente para trair a Pátria (...)”.

   Esta alusão aos seis desertores, permite-nos agora abordar um outro sector, o do Exército.
   O Ministro da Defesa referia-se aos Tenentes Milicianos Fernando Mariano Cardeira, Artur Santana Maria Rita, José António  Marta e Silva, Constantino Azenha Lucas, Fernando Pais Mendes e António Baltazar Carmo e Silva, que foram acolhidos na Suécia e que declararam numa entrevista à B.B.C.: “Não estamos de acordo com a guerra colonial (...). Apoiamos sinceramente os homens que, de armas na mão, lutam contra o exército português em África”.
   O acontecimento retumbante desta deserção em grupo é apenas o símbolo, pois o movimento de deserção do exército português constitui uma verdadeira hemorragia silenciosa, que tende a crescer e a alastrar.
   É impossível precisar números, mas contam-se certamente por muitos milhares os portugueses que abandonaram as fileiras e se refugiaram no estrangeiro. Ainda poucos dias antes do citado discurso do Ministro da Defesa, a imprensa internacional noticiava a fuga de mais três tenentes (Albino Costa, Vítor Bray e Vítor Pires) para a Bélgica, onde denunciaram as cumplicidades de Portugal com a África do Sul na luta contra os africanos e o apoio militar da NATO à guerra colonial  (“Le Monde” 25-12-70).
   No jornal “Luso-Canadiano” de 22-9-69 pode ler-se a transcrição de uma entrevista concedida à Rádio “Voz da Liberdade” pelo desertor português Américo Neves de Sousa:  “Em Nampula todos falavam de Mueda. De lá chegavam, todos os dias, soldados feridos, gravemente estropiados, numerosos mortos. Soou a minha vez no dia 12 de Maio, de conhecer Mueda.  Guerra, não sabia contra quem... falava-se da Tanzânia, os oficiais diziam que era contra a Rússia...  Alguns dias decorridos, encontrei um soldado com as mãos todas sujas de sangue. Perguntei-lhe de onde vinha e ele tinha atacado uma aldeola e tinham morto toda a população, velhos, mulheres e crianças. A repugnância dominou-me, não podia suportar aquela ideia. Desertei quando me convenci de que a guerra era desumana e de que não temos o direito de lutar um povo que só quer a sua liberdade”.

   Se acrescentar-mos a esses desertores toda aquela multidão de jovens portugueses que emigram antes de fazer o serviço militar (muitos deles exactamente para fugir à guerra), poderemos fazer uma ideia das proporções que atingiu a recusa à política colonial por parte da juventude. Não é por acaso que tão grande número de portugueses que emigram têm entre 15 e 20 anos. E não faltam testemunhos de emigrantes a confirmar que a objecção de consciência está na origem de muitas fugas à tropa:  “Como viver na prespectiva de deixar a pele em  África, “defendendo a civilização cristã e ocidental”, vendo ao mesmo tempo essa civilização simbolizada e concretizada em roças, concessões mineiras, monopólios de plantações e populações analfabetas quase a cem por cento ?” (escreve um deles residente em França).
  
Em "Cadernos Coloniais" - 1971


                              

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