18 janeiro 2011

18 JANEIRO DE 1934 - MARINHA GRANDE

O LEVANTAMENTO OPERÁRIO DA MARINHA GRANDE, EM 18 JANEIRO DE 1934

Extracto de uma entrevista com um dos dirigentes do Partido e do Sindicato Vermelho vidreiro, da Marinha Grande, no jornal ilegal "O Proletário"


-- Porque tomaram, desde logo, um carácter insurreccional os acontecimentos da Marinha Grande?
  Em primeiro lugar, porque o proletariado da Marinha Grande, mercê das formidáveis lutas que vinha conduzindo contra o patronato e o Estado, ocupava realmente um lugar de vanguarda em relação ao grosso do proletariado português. Sob a direcção do Partido e do Sindicato Vermelho Vidreiro, ele tinha forçado os patrões, não só a satisfazer importantes reivindicações económicas, como impôs o reconhecimento dos seus comités de fábrica, comités que o patronato era forçado a consultar em todos os casos relacionados com o pessoal.
  Em segundo lugar, o agravamento da crise, as violentas medidas de repressão da Ditadura (o sindicato estava encerrado e muitos militantes presos e perseguidos), a desilusão do “reviralho”, dos chefes republicanos e anarco-sindicalistas, o exemplo de Cuba, os sucessos políticos e económicos do proletariado da União Soviética, tudo isto contribuía para dar à luta contra a fascização dos sindicatos, na Marinha Grande, um carácter mais amplo, mais profundo. Tudo isto indicava que a greve de massas, na Marinha Grande, tomaria o aspecto de levantamento armado.

-- Quais as condições em que desenrolaram os acontecimentos?
  Pelas 2 horas do dia 18, fizemos a distribuição das nossas forças. Tudo se fez de uma maneira organizada. Os nossos camaradas distinguiam-se por uma braçadeira vermelha com a foice e o martelo.
Um grupo numeroso seguiu a cortar as comunicações. Ao mesmo tempo, três outros grupos marchavam a ocupar, simultaneamente, os Paços do Concelho, a estação telegráfica e o quartel da G.N.R. As armas eram apenas o que se tinha podido arranjar; algumas espingardas caçadeiras, duas pistolas e umas cinco bombas.
  Os Paços do Concelho e a estação telegráfica foram ocupados pela resistência...

-- Mas, o chefe da estação conseguiu iludi-los...
  Esse “parvajola” não nos podia iludir, nem como dizem os jornais, comunicar com Leiria, pelas razões simples de que, quando ocupamos a estação, já as linhas de comunicação com Leiria estavam cortadas. O seu “heróico” papel limitou-se a ensinar um nosso camarada a trabalhar com a central telefónica da vila porque assim lho exigimos.

-- E a guarda?
  Aí se concentrou a resistência. Porém já todos os pontos estratégicos da vila se encontravam nas nossas mãos. Por outro lado, já todos a massa operária da Marinha Grande estava na rua, apoiando os poucos homens armados que possuíamos. O quartel ficou completamente bloqueado e foram dados quinze minutos força  para se render. Recusou. Desencadeou-se o ataque. Duas horas de tiroteio e veio a rendição. A força foi desarmada e o comandante solicitou-nos que impedíssemos possíveis vinganças. Lembra-se de dezenas das suas vitimas que andavam pelas ruas...
Concordamos em que o melhor meio de os salvaguardar contra isso, seria conservá-los prisioneiras, sob a guarda de camaradas de confiança. Por isso os conduzimos para uma fábrica de vidros. Mas repara: apenas os que temiam represálias para ali foram. Dois, por exemplo, não temeram represálias, seguiram para suas casas e ninguém lhes fe mal.

-- Cessou então toda a resistência?
  Sim. Às cinco horas da manhã toda a Marinha Grande estava nas mão do proletariado e milhares de trabalhadores percorriam a vila vitoriando o nosso Partido.

-- Quando começou o ataque das forças do Governo?
  Próximo das seis horas. Na pior ocasião. Os serviços de abastecimentos não tinham sido assegurados. A inexperiência levou a maioria dos camaradas a ir a suas casas, extenuados, comer qualquer coisa, depois da rendição da G.N.R.
  Quando, cerca das seis horas, se ouviram os primeiros tiros das forças que avançavam sobre a Marinha Grande, só a muito custo conseguimos reunir uns dez camaradas que, armados com as carabinas apreendidas à G.N.R., marcharam a ocupar a estrada que liga esta vila a Leiria. O nevoeiro era cerrado. Não se via um palmo à frente do nariz.
  A pouca distância da Marinha Grande, ouvimos passos de muita gente próximo de nós. À pergunta de “quem vem lá” respondeu-nos um arrogante “forças do Governo!” e uma descarga. Caiu um camarada ferido. Ripostamos e durante alguns minutos se estabeleceu um nutrido tiroteio. Sentíamos que a força atacante se afastava. Avançamos. Tinham abandonado os feridos, na estrada.
  Mas, entretanto, entrava a artilharia em acção.

  Os “heróicos construtores do Estado Novo” bombardeavam a vila para submeter duas escassas dezenas de homens armados!
  O cerco apertava-se. Até às nove da manha resistimos. Já umas duas centenas de camaradas nos ajudavam e encorajavam...e as munições esgotavam-se. Era uma loucura prolongar a resistência. Pouco mais de vinte possuíamos armas de fogo. O Governo opunha-nos artilharia, cavalaria, infantaria, metralhadoras... e até um avião que já voava sobre a vila, para regular o tiro da artilharia!


  Retiramos, portanto, em boa ordem para o pinhal. Porém, só cerca das onze horas os “heróicos” mantenedores da ordem entraram na Marinha Grande. Decidirmos dividir-nos em pequenos grupos de quatro ou cinco, e abandonar a luta procurando iludir o cerco. Ainda isto se fez de um modo organizado. Os camaradas que têm dinheiro dividem-no pelos que o não têm. Há gestos admiráveis de camaradagem. Um camarada que possuía 600$00 fica apenas com setenta, dividindo o resto pelos camaradas! Abraços...comoção e separamo-nos... Aí tens os detalhes dos acontecimentos.

-- E os actos terroristas e os actos repugnantes praticados pelos “díscolo” a que se referem os jornais?
  Essa é a nossa coroa de glória. Há sim, actos repugnantes, mas praticados pelas forças da “ordem”. As prisões, os espancamentos, as torturas, as prisões de mulheres e crianças para denunciarem os maridos e os pais; tudo isto são manifestações da “ordem” burguesa que se seguem à ocupação da vila. Antes, foi a população na rua em regozijo. Alegria nos rostos... e nem uma só vingança!
Quem pode ainda, acreditar no “camaleão” e no órgão da moagem? (1)
A imprensa burguesa procura fazer acreditar que a maioria da população se manteve hostil ao movimente que “foi obra de algumas dezenas de desordeiros”.
Isso não tem a mais ligeira consistência. A população da Marinha Grande é constituída, na sua esmagadora maioria, por operários vidreiros. Como se explica então que, apesar da repressão e ocupação militar da vila, a greve se mantivesse geral durante dois dias e só ao terceiro dia começasse a fraquejar?

(1)Referência ao jornal "O Século", orgão dos moageiros, então dirigido pelo "célebre" João Pereira da Rosa.

Mário Castelhano e Arnaldo Simões Januário, dois destacados militantes anarquistas, assassinados no Campo de Concentração do Tarrafal por terem cometido o "crime" de organizar a greve revolucionária de 18 de Janeiro de 1934.

1 comentário:

Juvenal Amado disse...

Em 1964 também passei a pertencer ao Sindicato Vidreiro onde fui filiado até 1980.
Foi sempre um sindicato de classe e elegíamos sempre os nossos dirigentes, rejeitando assim o modelo corporativo do regime. Nas assembleias que tinham que ser nas instalções do sindicato, pois não lhes era permitido fazê-las em instalações mais amplas, os trabalhadores enchiam todas as salas as escadas e chegavam à rua.
Durante a ditadura muitos vidreiros foram presos politicos e os seus dirigentes perseguidos até ao 25 de Abril.
Sobemos após o movimento dos capitães, que os derigentes bem como muitos trabalhadores activistas, estavam para ser presos. Queria assim o regime evitar as comemorações do 1 de Maio, que como era costume era comemorado ainda que forma clandestina com muitas acções de agitação.
Sindicato também fundador da CGTP o dia 18 de Janeiro foi comemorado às escondidas até que depois do 25 de Abril, se tornou no dia do vidreiro, votado pela grande maioria dos trabalhadores.
Um abraço

Juvenal Amado